História - UMM

DA AVENTURA À COMPETIÇÃO

Foto da coleção do Óbidos Off Road Center

1 – Dos projetos industriais ligados ao sector automóvel nascidos na segunda metade dos anos 70 no nosso país, o da União Metalo-Mecânica (UMM) foi o mais difícil, desafiante e complexo.

Se comparado com os Portaro, Datsun Sado, GM Amigo ou sobretudo Sado 550, a tarefa da UMM apresentava-se enorme, por vários motivos, os principais dos quais residiam na muito alta incorporação nacional e na necessidade de adquirir, no mercado internacional, grupos mecânicos principais como motor, caixa de velocidades, eixos, direção, etc.

As operações CKD (Completely Knocked Down – carros recebidos às peças e completamente desmontados) que tinham começado nos anos 60 no nosso país, potenciaram um conjunto importante de fornecedores nacionais, mas não era possível encontrar em Portugal quem fornecesse um único dos principais componentes mecânicos, fundamentais para a construção de um automóvel.

O país, à data (estava tecnicamente falido) não era um construtor de automóveis, dependia de importações, essencialmente europeias, numa época em que nada se podia importar sem autorização prévia, nem mesmo para bens de consumo duradouro como era o caso dos automóveis

2 – A partir do projeto francês Cournil, vocacionado para um veículo de utilização rural e agrícola, a UMM teve de fazer evoluir o “ponto de partida”, em todos os campos, porque o tal “ponto de partida” era limitado de utilização e para um pequeno “target” de utilizadores.
Fê-lo com criatividade e desenvoltura, tarefas tanto mais difíceis quanto, ao alargar substancialmente a base dos seus potenciais utilizadores enveredou por um número considerável de carroçarias e outras especificações principais, o que complicou sobremaneira a sua tarefa, numa altura em que não havia as ferramentas informáticas que atualmente estão ao dispor dos fabricantes e lhes permitem ter um número infindável de variantes, especificações, equipamentos, feitos quase à medida de cada cliente.
A tarefa da UMM foi também particularmente difícil, já que no país não havia uma escola de técnicos do sector automóvel, nomeadamente com experiência, que pegassem num problema e o resolvessem em curto espaço de tempo. O sector da metalomecânica era o mais desenvolvido e de resposta mais rápida, mas quando se passava para outros campos, nomeadamente fundição e maquinação, as dificuldades eram maiores, não só do ponto de vista do comprador/fabricante, como também do fornecedor. Até se ultrapassarem estas dificuldades iniciais, um difícil e moroso trabalho, invisível para o mercado e o comprador final, consumiu dias e dias e elevados montantes financeiros.

3 – O percurso comercial da UMM foi, contudo, de franco desenvolvimento e depois da fabricação das unidades iniciais, mais simples e básicas, as evoluções não se fizeram esperar, não só a nível estético (Alter), como mecânico (motores, turbo) podendo bem dizer-se que no fim dos anos 80, as unidades comercializadas pouco tinham a ver com as do início da década.
Se analisarmos esta evolução e multiplicarmos por inúmeras variantes, desde as de diferentes carroçarias (4 portas, pick up, chassis longo) e adicionarmos as de volante à direita e outras, motivadas por requisitos específicos de homologação em diferentes países, já sem falar das inúmeras complexidades das viaturas para uso militar ou militarizado, fácil imaginar quão difícil e trabalhosa foi a tarefa da UMM.

Foto da coleção do Óbidos Off Road Center

4 – A influência da presença da marca no mercado automóvel nacional foi também enorme e se para os mais conhecedores e experientes condutores de veículos de tração ás 4 rodas, os UMM eram apenas mais uma marca a entrar no mercado nacional, para os mais desconhecedores, a UMM permitiu-lhes descobrir todo um novo mundo, bem como um novo país, até então desconhecido.
A competição automóvel (Rali Paris-Alger-Dakar e outros) implantou o nome UMM por todo o país, mas mais importante ainda, deu lugar a uma atividade turística/lazer, que ainda hoje se mantém, atualmente com grande dificuldade em arranjar novos veículos apropriados. Bem pode dizer-se que, não houve trilho no país que não fosse pisado por um UMM.

Foto da coleção do Óbidos Off Road Center

5 – À medida que a marca ia evoluindo, o mercado, os concorrentes, os gostos e as necessidades dos utilizadores também não estavam parados. A indústria automóvel tornava-se mais complexa, mais globalizada, sujeita a um número crescente de normas e regulamentos, cuja ultrapassagem era cara, lenta e exigindo meios financeiros e humanos sempre crescentes.

Ainda que apoiada pela Peugeot, a marca nacional terá começado a sentir que a sua tarefa era cada vez mais difícil, não só no mercado externo, como no nacional. A liberdade de importação, dentro do mercado comunitário de todos os produtos “Made in CEE”, trouxe novos concorrentes, mais polivalentes, mais consensuais, esteticamente menos “jeep” e mais automóvel, até porque os gostos dos utilizadores também foram evoluindo. De um produto “puro e duro” do início dos anos 80 tinha-se passado para mais conforto, melhores performances, mais equipamento, preço mais alto.

6 – Com a indústria automóvel cada vez mais competitiva e a absorver maiores montantes em I&D tornava a tarefa da UMM cada vez mais difícil. Tal como atualmente, o foco não estava no veículo que se está a vender hoje, mas naquele que vai estar à venda daqui a 3/4/5 anos.

E foi essa dificuldade em obter fundos públicos/privados ou eventualmente, a hipótese de ser absorvida por um grande grupo do sector automóvel mundial, que lhe permitisse transformar um conceito inicial dos anos 80 (entretanto envelhecido) e modernizá-lo face à procura dos anos 1990/2000, que acabou por ditar o fim prematuro do mais difícil projeto da indústria automóvel nacional. Mas sejamos lúcidos. Se não terminasse quando terminou, terminaria uma ou duas décadas depois. O passado recente diz-nos que era uma questão de tempo.

7 – Pegando no título do livro escrito pelo José Mégre em 1986, sobre as participações da UMM no Rali Paris Dakar de 82, 83 e 84  intitulado “Da Aventura à Competição”, caso para dizer que a UMM triunfou na Aventura dos primeiros anos, mas não foi capaz de resistir à Competição com o mercado, a concorrência e a evolução dos veículos todo o terreno do século XXI.

A EPOPEIA DO DAKAR

A UMM começa a construir uma imagem forte. José Megre dá uma ajuda quando leva, juntamente com Manuel Romão, Pedro Cortês, Joaquim Miranda, Diogo Amado e Pedro Vilas Boas, os jipes portugueses para o Paris-Dakar, a mais exigente e emblemática prova do todo-o-terreno do mundo.

Decidem levar três Cournil, pintados de vermelho e com capota branca. Megre e Romão vão no primeiro. Para o segundo, vão buscar o piloto profissional Pedro Cortês que traz o veterano Joaquim Miranda como mecânico. A fechar a coluna vão dois elementos da UMM, Diogo Amado e Pedro Vilas Boas. “O terceiro jipe, coitado, seria canibalizado se se tivessem esgotado os sobressalentes que levávamos”, recorda Pedro Cortês. O conhecido piloto e engenheiro só tem elogios para o Cournil: “Era o jipe perfeito para o Dakar. Um trator duro”.

A participação em 1982 corre bem e os Cournil portugueses voltam ao Paris-Dakar em 1983 e 1984. Na última vez, a UMM participa com cinco jipes e alcança o 34º lugar da geral.

O Dakar acabou por tornar-se uma das maiores alavancas de promoção da marca, despertando a atenção do país para o veículo.

Ao lado, Fotos históricas da participação da UMM no Paris/Dakar algures nos anos de 1982, 1983 e 1984.
O êxito foi de tal ordem a nível nacional, projectando o prestígio da marca ao ponto de em 1982 a UMM e a Mocar criarem um departamento de competição.

TROFÉU UMM

As viaturas podiam ser adquiridas na rede de concessionários homologadas para circularem no asfalto e competirem no Troféu UMM, prova que animou as competições nacionais de todo-o-terreno durante três temporadas: 1990, 1991 e 1992.

Começou com uma quinzena de carros e terminou com cerca do dobro dos concorrentes. Curiosamente, a primeira vitória de um UMM Troféu ocorreu ainda antes disso, quando Rogério Almeida venceu a Baja de Portalegre com o protótipo que serviu de base para esta competição monomarca. Rogério Almeida seria ainda o vencedor da edição de 1991 do troféu, sucedendo ao seu irmão, Carlos Almeida, que venceu em 1990, na edição de estreia.

Carlos Sousa arrecadou o Troféu UMM em 1992, no último ano desta prova.

Octávio Granja a competir no troféu

REI DO TODO-O-TERRENO

A exposição mediática da UMM atinge o seu pico no verão de 1988. Um grupo de amigos de Macau liga por estrada o último ponto do império com a sua capital, Lisboa. Três décadas depois, João Queiroga, um dos participantes, tira o pó ao seu álbum de memórias: “logo na primeira vez que fomos recebidos no Palácio do Governo para apresentar o projeto ao governador de Macau, Carlos Melancia, este comentou que seria ótimo que isto fosse feito com veículos portugueses”. Como não havia um único UMM em Macau, o governador puxa da agenda de contatos e fala com a direção da UMM. O fabricante gosta tanto do projeto que o apoia prontamente: João Santos, um dos seus técnicos, junta-se à equipa e, passadas algumas semanas, chegam de barco três belos UMM do modelo Alter, vários sobresselentes, filtros de ar e jogos de ferramentas. A aventura digna de um Fernão Mendes Pinto leva 46 dias e 22 mil quilómetros. Passam pela China, Turquia, Bulgária, Jugoslávia, Itália, França, Espanha e outros tantos países”.
Em 1998, o viajante, explorador e antropólogo da imagem Zica Capristano e a esposa, Judite Capistrano, protagonizam também a ligação Lisboa-Macau ao volante de um UMM.

Excertos do livro “Berliet, Chaimite e UMM: Os Grandes Veículos Militares Nacionais” editado em 2018, de Pedro Manuel Monteiro

Croqui da afixação da imagem dos patrocinadores no Alter de Zica Capristano para uma das suas expedições.

A GRANDE AVENTURA

O Estado foi um dos principais clientes da UMM, nomeadamente o Exército, as forças policiais e os serviços públicos. No início da década de 1980, o país vivia sob assistência financeira internacional e era preciso reduzir as importações, razão pela qual o Estado apoiou a consolidação de uma marca portuguesa. Outro grande segmento de mercado foi o das corporações de bombeiros, pela versatilidade e preço competitivo das viaturas. O mercado de trabalho e o privado também foram grandes consumidores de veículos UMM.

COURNIL D 4X4 - Exemplar do Regimento de Infantaria de Chaves
Alter II D 4X4 - Viatura integrada nas unidades da UNAVEM
Linha de Montagem - Mãe Martins
Coluna Militar
O presidente Mário Soares em parada militar - 1986
A HISTÓRIA DO PAPAMÓVEL ESCONDIDO PARA JOÃO PAULO II ANDAR NUM UMM NO FUNCHAL

João Paulo II teve um papamóvel português, em 1991, no Funchal, mas só andou no jipe UMM transformado e pintado de branco porque a diocese madeirense escondeu num armazém a viatura vinda de Roma.

É esta a história do até agora único papamóvel português, encomendado pela Diocese do Funchal para transportar João Paulo II durante a sua visita à Madeira, a 12 de maio de 1991, e que ainda hoje é exibido em dias festivos.

A viatura fora encomendada à então representante da Peugeot em Portugal, a Mocar, depois de a diocese do Funchal ter recebido a informação de Roma de que não seria possível enviar o papamóvel para a visita a Portugal.

O Vaticano remeteu à Diocese do Funchal as características de segurança exigidas para a viatura (“uma estrutura blindada e cabina à prova de bala prova de bala, de forma que o Santo Padre, do interior pudesse ver e abençoar os fiéis que o esperavam ao longo da estrada”).

A Mocar adaptou então um jipe UMM, um todo-o-terreno de fabrico português, com a matrícula UX-19-91, que ofereceu à Diocese se a viatura fosse usada pelo papa no Funchal. Caso contrário, a Diocese teria de pagar 10 mil contos (cerca de 50.000 euros) pelo carro. O conflito com Lisboa começou quando as autoridades portuguesas conseguiram obter do Vaticano um papamóvel para todas as deslocações de João Paulo II em território português, de Lisboa, aos Açores, Madeira e Fátima, uma vez que a Diocese dos Açores não dispunha de viatura adequada.

No seu livro, Teodoro de Faria recorda que comunicou então a Lisboa que, face a indicações anteriores, tinha providenciado uma viatura, a qual seria usada durante a curta estada no Funchal, fornecendo as especificações de segurança que tinham sido cumpridas, seguindo as exigências do Vaticano.

A resposta de Lisboa foi negativa: considerava que a viatura não era segura, pelo que o papamóvel seguiria dos Açores para a Madeira e da Madeira de volta para o continente, de modo a ser usado em Fátima, o que significaria, recordou o bispo, que a Diocese teria de pagar 10 mil contos por uma viatura inútil, o que seria incomportável.

“Neste momento, criou-se um braço de ferro entre Lisboa e a diocese do Funchal. Comunicaram-me que se não optasse pelo carro do Vaticano seria o bispo do Funchal responsável pela segurança do Papa e não o governo português. Escrevi para o Vaticano que me informaram ser o nosso papamóvel seguro e cumpria todas as condições, até melhores do que viera do Vaticano”, escreve.

Tal como tinha sido anunciado, o papamóvel do Vaticano foi entregue no aeroporto de Santa Catarina, no Funchal, na manhã do dia 12 de maio, horas antes da chegada de João Paulo II à Madeira.

“Foi colocado e fechado num armazém, nada se comunicou a Lisboa e, quando o Santo Padre chegou à Madeira, entrou no papamóvel do Funchal. Os membros da polícia do Vaticano disseram-me que o papamóvel cumpria todas as regras de segurança. Quando o Papa entrou e se sentou, disse-me e ao seu secretário para abrirmos a janela para ver, acenar e abençoar o povo. Desta forma ficamos com um papamóvel gratuito”, revela Teodoro de Faria.

De tal modo era seguro que a Diocese do Funchal emprestou a viatura para ser utilizada na visita de João Paulo II a São Tomé e Príncipe, de 4 a 10 de junho de 1992.

O papamóvel português ainda está ao serviço: foi utilizado para transportar a imagem da Virgem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima na visita efetuada à Madeira entre 2009 e 2010.

LUSA, Publicado 05 Mai, 2017, 12:05, em www.rtp.pt

Este episódio insólito acabou por se transformar numa enorme operação de marketing e consequente notoriedade para a marca.

A orografia da Madeira, que atinge os 1.818 metros no Pico do Arieiro, faz da ilha um dos locais com maior densidade de veículos de 4×4 do país.

O Óbidos Off Road Center dispõe na sua coleção de um UMM igual àquele que serviu de base para o Papamóvel.

CLUBE UMM – A HISTÓRIA

Decorria o ano de 2004 quando dois conhecidos apaixonados da nossa marca discutiram a ideia de criar um jornal que servisse de meio de divulgação de futuras atividades, partilha de experiências e reunir a comunidade apreciadora destes veículos.
Após esta conversa, Norberto Liberato e Manuel Madeira ficaram a amadurecer a ideia durante um ano e em fevereiro de 2005 decidiram que era altura de passar do papel para a prática, convidando um grupo mais alargado de apaixonados para o efeito.
Durante diversos meses e nos bastidores foi preparado o primeiro número do UMMjornal e discutidos diversos formatos que garantissem a sua continuidade. E mesmo antes da sua apresentação oficial na Feira Nacional da Aventura 2005 em Alcochete, a equipa já tinha decidido que a melhor forma era a criação de um clube e que este só poderia ser o Clube UMM.

Passeio à região de Bragança em 2022, comemorativo do 17º aniversário do Clube. O todo o terreno turístico tem sido, ao longo das últimas décadas, um dos melhores meios para descobrir o país. Afinal, há sempre um Portugal desconhecido que espera por si.

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