Galeria de Arte

Ter nascido em Óbidos tem todos os inconvenientes de uma infância e adolescência vivida num meio pequeno, provinciano e longe das oportunidades culturais, sociais e profissionais proporcionadas por outros centros de maior dimensão e sofisticação. Ter nascido em Óbidos, num ambiente de vivências em que todos se conheciam, na segurança da rua (hoje impossível) e num enquadramento histórico monumental, foi um privilégio que moldou a minha instrução e a minha futura vida profissional de forma inequívoca. Profissionalmente provei a mim mesmo que era possível viver na chamada província, sem abandonar as raízes, embora nómada por via do trabalho, e fazer carreira profissional com sucesso.
Nos anos 60 e 70 do século passado, período da minha meninice e adolescência, sem as vagas dos visitantes dos dias de hoje, a vila há muito que era um destino de turismo. Os “franceses”, como inocentemente lhes chamávamos, vestiam-se com modas desconhecidas, máquinas fotográficas de aspeto sofisticado e para mim inacessível, e uma enorme curiosidade em conhecer Óbidos e os seus recantos. Hoje, no contra relógio de ir a todo o lado, mesmo para ver coisa nenhuma, o interesse reside maioritariamente no instantâneo e em postar banalidades.
O meu fascínio como criança era ver aqueles turistas para mim endinheirados, a fotografar com máquinas que me intrigavam, admirar-me com o que fotografavam, novidade para eles, corriqueiro no meu dia a dia e desejar um dia poder compreender os mistérios que me estavam vedados. Afinal, nunca via as imagens.
Curioso, sempre fui muito curioso, regalava-me a ver os outros, aqueles que pintavam, que se sentavam horas a fio num único local e por modos que de magia, iam dando forma aos cantos e recantos em telas em branco que ganhavam cor e davam forma às muralhas, ao castelo e às casas emolduradas pelas constantes flores. Isso sim, era algo que me prendia sentado ao lado desses artistas (aqueles que não me enxotavam) e me deixavam deslumbrar com a sua arte. Cadima Fernandes, pintor profissional, assíduo de Óbidos, pacientemente lá me ia explicando que o valor estava na arte e não nas horas de trabalho que eu ingenuamente insistia para avaliar o valor de cada quadro.
Influenciado por todo aquele ambiente e estímulos, também eu quis ser pintor. Com folhas de papel de embrulho da mercearia da minha mãe e os lápis de cor da escola, tentei desesperadamente dar forma a ruas e casas, até perceber de forma inequívoca que Deus Nosso Senhor me pode ter abençoado com outros dons, mas não para desenhar ou pintar. Nem talento, nem sequer um pouco de jeito. Deceção de adolescente.
Desistir não é do meu feitio. Encorajado pela oferta de duas Voigtlânder 4X6 pelo meu tio Manuel, dos anos 50 do século passado, ao tempo já mais que ultrapassadas, mas com uma qualidade ótica surpreendente, acompanhadas por um tripé que verdadeiramente não servia para nada e filmes de 12 imagens porque os trocos não chegavam para mais, foi assim que o adolescente curioso, depois de enormes deceções, mas sem nunca desistir, descobre após anos de insistência o fascinante mundo da fotografia.

Aos 22 anos concretizo o Impossível. A compra de um UMM Entreprenour. Armado com uma Pratika em terceira mão oriunda da extinta Alemanha do leste, a Lagoa de Óbidos, a minha lagoa, passam a ser tal como Óbidos, o palco dos meus ensaios fotográficos. De um dia para o outro sinto-me o grande explorador que, à falta da África que havia de vir mais tarde, aprende sozinho os segredos da condução fora de estrada e fixa no filme paisagens que pareciam à altura de locais remotos e exuberantes. Ingenuamente um explorador da National Geographic.
Pescadores, artes de pesca, bateiras e paisagem, foram os grandes temas num registo documental. Em Óbidos, a paisagem urbana aliada ao factor histórico, ocupavam toda a minha atenção.
Tal como a pintura, cedo descobri que o segredo de fotografar não residia no “culto” pelo equipamento, no preço ou marca, ou nas regras estabelecidas, mas sim nessa coisa “arreliante” chamada talento. Ainda hoje passadas quase quatro décadas, não sei se tenho talento, ou se alguma vez alcanço um estado de maturidade na matéria que me faça sentir satisfeito com os resultados. Um pouco por esse Mundo tenho fotografado pessoas, paisagens, arquitectura entre tantos outros infindáveis temas, sempre na busca de algo diferente, genuinamente novo, inovador, marcante, satisfatório. Inglório!
A exposição Óbidos Vila Jardim materializam o sonho do menino que queria ser pintor. Finalmente, à minha maneira, recorrendo a uma ferramenta que teimosamente aprendi a dominar, sinto-me um aguarelista. A inspiração, essa bebia na obra do grande pintor William Turner, inglês dos idos de 1700 e 1800. De mau feitio, mas fascinado pela luz, sempre a luz, a qual reproduziu na tela como ninguém.
Com este ensaio fotográfico que reflecte a minha paixão por Óbidos, sinto-me (perdoem o excesso) aguarelista sem cavalete, palete ou tela.
Afinal sonhar sempre é possível!

Carlos Ribeiro
(O puto de Óbidos que queria conhecer o mundo, aventureiro, viajante e quem sabe fotografo).

Notas:
* No trabalho apresentado não foi usada a ferramenta Photoshop, por duas ordens de razões: reconheço as vantagens mas busco a “pureza do momento” e não dominar a sua utilização prática.

*Fotos impressas sempre profissional e pacientemente pela Relgráfica, Lda.

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